Há uma década, no ano de 1999, fiz parte da organização da Festa da Uva de Vinhedo. Naquele momento, eu fazia assessoria política para a Associação dos Produtores Rurais de Vinhedo, Louveira e Região.
Era o terceiro ano do Governo Milton Serafim e existia, entre os agricultores, uma forte preocupação sobre os rumos do nosso mais tradicional evento.
Naquela 38ª edição da Festa, uma vanguarda de tradicionais agricultores e vitivinicultores da cidade, levantavam um importante debate sobre o futuro da Festa que, na realidade, estava diretamente ligado ao futuro da cidade.
Era nítido que, gradativamente, perdíamos o referencial simbólico e cultural. O caráter comercial e festivo estava se impondo. Ao que tudo indica, a Festa realizada este ano coroou este processo.
Com todas as justificativas que o governo possa dar, de falta de tempo, herança do governo anterior, uma coisa ele não conseguirá esconder: está por trás disso uma visão de governar que já se revelara em sua gestão passada.
Quando se coloca pra coordenar o processo de organização da Festa a Secretaria de Comércio e Indústria e não a de Cultura e Turismo, isso se faz por uma opção política, clara e planejada.
Aliado a isso, a terceirização do evento trás um elemento negativo adicional. Quando se deveria dar mais influência pra AVIVI e pro Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, a movimentação é inversa.
Terceirização de araque, é bom que se diga. O que vimos foi o Prefeito entregar para o seu grupo político, alojado na ACOVEC, o comando da administração de um evento onde circula muito dinheiro.
Não levanto aqui, necessariamente, nenhuma suspeita. Mas o fato é que presenciamos recentemente um acontecimento traumático com a Festa da Uva. Os jornais apresentaram à cidade a abertura de CPIs e inquéritos.
O bom senso indica que deveria haver mais transparência e menos centralização e não o inverso. Mas a natureza autoritária do governo que assumiu novamente o poder, confiante na “popularidade”, é um desafio ao bom senso.
A Festa da Uva de 2009 estava bonita, bem organizada. A cobertura contra o sol e a chuva foi uma medida importante. No entanto, estas coisas são superficiais para o que está em jogo.
Até porque outras coisas, também vistas este ano, pesam do outro lado da balança. Não passaram despercebido da população os altos preços das coisas. O estacionamento, terceirizado, a R$ 10,00 também foi notado.
O balanço sobre a Festa da Uva deve estar atrelado ao debate sobre o seu sentido estratégico. A Festa cumpriu o papel de fortalecer nossa história e nossa identidade? Sua construção se preocupou com o futuro da cidade?
A Festa deve ser a expressão do compromisso com estes dois eixos estratégicos. Sem isso, é só uma festa qualquer. O descaso do governo poderá deformar nossa identidade e deixar a cidade insuportável para as próximas gerações.
Milton Serafim privilegiou, no governo 1997-2004, a especulação imobiliária. Não se trata de acusação inconseqüente de um oposicionista. Ele aprovou mais de 30 condomínios e deixou 7.000 lotes abertos para ocupação desordenada.
Essa irresponsabilidade com o futuro da cidade estava acompanhada da desvalorização da agricultura, que pode ser uma forma de barrar o crescimento desordenado e, além disso, gerar emprego e renda.
Nosso território já está bastante comprometido. Sem um sério planejamento urbano entraremos em uma rota ainda mais perigosa.
Chantagear através de jornais dizendo que a água vai acabar se não houver poços artesianos, não parece ser o caminho.
Afinal, pra que serve mesmo a Festa da Uva?
Rodrigo Paixão
Vinhedo, 20 de março de 2009